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Ideologia, eu quero uma pra viver.

  • Foto do escritor: Lucas
    Lucas
  • 25 de set.
  • 3 min de leitura
"Meu partido é o coração partido".

Nas idas e vindas d̶a̶s̶ ̶l̶o̶u̶c̶u̶r̶a̶s̶ dos devaneios da minha cabeça, veio-me hoje um trecho dessa canção do Cazuza, o que me fez relembrar de tê-la cantado junto com a banda de colegas de sala que montamos, no último ano do Ensino Médio, para tocar em uma feira cultural (ou algo do tipo), no Instituto Federal.


A boa nostalgia da memória foi interrompida quando me lembrei de ter tocado o trecho de uma das músicas (acho que "O papa é pop", do Engenheiros do Hawaii) sem distorção – porque não tinha pedal de guitarra, nem dinheiro para comprar um –, o que acabou deixando o som meio tosco.


Treze anos depois, tenho uma maleta de pedais parada ao lado da mesma parede na qual a guitarra empoeirada serve como decoração para o quarto de apartamento. Qual a sua guitarra empoeirada?


"Meu sex and drugs não tem nenhum rock 'n' roll."

Apesar das falhas e dificuldades, lembro-me vividamente da sensação de ser m̶u̶i̶t̶o̶ ̶p̶i̶c̶a̶ o dono do mundo que experienciei ao descer do palco no dia daquela apresentação. Também me recordo d̶o̶ ̶c̶a̶g̶a̶ç̶o̶ da ansiedade que senti nos dias anteriores, amplificada por uma inflamação de garganta que se apossou de mim uma semana antes.


"Eu vou pagar a conta do analista pra nunca mais ter que saber quem eu sou".

As bandas fizeram parte da minha vida por muitos anos antes e depois dessa apresentação. No início, como um estilo de vida, a profissão dos sonhos. Mais tarde, como um hobby. Um prazer que foi se esvanecendo até desaparecer.


A minha relação com a música, assim como a relação da maior parte das pessoas com as atividades que gostam estão longe de serem coisas estritamente individuais. Fazer música deixou de ser uma prioridade depois que tive que escolher entre investir tempo nisso ou em outra profissão mais c̶h̶a̶t̶a̶ convencional.


Hoje, tenho uma profissão que não é nem a música, nem a profissão que eu estudei por 5 anos na faculdade. E gasto a maior parte do meu tempo livre com prazeres mais diretos e preguiçosos: telas e mais telas. A música se tornou uma amiga distante.



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"Os meus sonhos foram todos vendidos tão barato que eu nem acredito."

Muito provavelmente, você não faz atividades que gosta na frequência em que gostaria. O tempo em que estamos trabalhando, nos preparando para trabalhar ou descansando do trabalho consome a maior parte de nossas vidas adultas e̶ ̶n̶ã̶o̶ ̶s̶o̶b̶r̶a̶ ̶n̶a̶d̶a̶ ̶p̶r̶o̶ ̶b̶e̶t̶i̶n̶h̶a̶.


Escolhemos sim os nossos caminhos, mas o número de estradas em que podemos passar são tão menores quanto menos os dígitos do saldo da nossa conta bancária, quanto mais distante dos grandes centros, quanto menos pessoas com alguma influência relevante conhecemos, etc. Tão menor também é o direito de errar.


Não quero colocar toda a culpa no sistema ou em outra coisa tão assustadora. Sabemos que as determinações existem e que está fora do alcance individual qualquer mudança relevante. Ainda assim, será que podemos fazer algo para continuarmos a fazer as coisas que têm sentido para nós? S̶i̶m̶p̶l̶e̶s̶!̶ ̶É̶ ̶s̶ó̶ ̶f̶a̶z̶e̶r̶,̶ ̶s̶e̶u̶ ̶b̶o̶s̶t̶a̶!̶


"Ideologia, eu quero uma pra viver."

Este texto pode deixar a impressão de que me sinto triste com a vida que levo hoje, mas isso não é um fato. Tenho um trabalho que não me dá grandes dores de cabeça e que me paga bem. Consegui mais coisas do que um dia acreditei que teria com essa idade.


Meu partido não é um coração partido, contudo minhas minhas ilusões foram todas perdidas. Sinto falta dos ensaios, das bandas, de compor, de ter a ilusão de que poderia ser um grande músico. Ao mesmo tempo, sinto-me feliz por ter tido a oportunidade de viver tudo isso.


Pode ser que falte uma atitude de colocarmos como prioridades aquilo que tenha mais significado nas nossas próprias vidas, na medida do possível. S̶a̶i̶ ̶d̶o̶ ̶c̶e̶l̶u̶l̶a̶r̶,̶ ̶p̶o̶r̶r̶a̶!̶


Não podemos deixar que o capitalismo ou qualquer outra merda de paradigma nos vença em também na nossa intimidade. Tocar com os amigos aos 30+ de idade é um microato de resistência, por mais banal que possa parecer. Qual é o seu microato?

 
 
 

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