Ostentação de tempo
- Lucas

- 14 de ago.
- 4 min de leitura
A Virgínia tem, hoje, mais de 52 milhões de seguidores no Instagram. Eu quis começar este texto com esse fato porque, caso não seja para você, leitor, esse número é bizarro para mim. É como se 1 a cada 4 habitantes do Brasil a seguissem. Mas por que seguem? Essa pergunta é complexa e, por isso, não deve ter uma resposta simples a ponto de eu destrinchá-la neste texto. No entanto, assistindo a um vídeo no youtube, um dia desses, deparei-me com a expressão “ostentação de tempo”, pela primeira vez. E o fenômeno Virgínia me parece estar muito ligado ao seu significado.
Primeiramente, quem é a Virgínia? Para além de influenciadora digital e empresária, Virgínia é um ideal, um exemplo para seus seguidores. Ela não vende apenas colônias e maquiagens, o produto de maior sucesso da Virgínia é o seu estilo de vida. Inalcançável para a quase totalidade dos seus seguidores, observá-lo é para essa massa uma maneira de buscar pertencimento social e de satisfazer os próprios desejos.
Em segundo lugar, o que é ostentação de tempo? O termo se refere exatamente ao conteúdo que Virgínias oferecem na internet. O luxo dos grandes afortunados, hoje em dia, não se mede mais por quantas roupas de marca ou carros de luxo possuem. Principalmente, depois da internet [e da China], ficou bem mais fácil ter um tênis caro ou uma bolsa de grife. O que o pobre ou classe média ascendente permanece não podendo comprar é o tempo. Pelo contrário, ele o vende.

Se formos pensar historicamente, as classes privilegiadas sempre esbanjaram o ócio. Comprar o tempo dos serviçais sempre foi um dos seus indicadores de superioridade, que os permitem obter destaque em outras atividades, inacessíveis aos que precisam trabalhar durante horas todos os dias para sobreviver. Porém, o que muda nos tempos atuais, é a forma rápida e direta com que esse estilo de vida penetra no imaginário da classe economicamente inferior, fazendo-a não apenas desejar obtê-lo, como também acreditar poder alcançá-lo.
Como Theodor W. Adorno coloca em seu sucinto texto “Tempo livre”, na sociedade capitalista, tudo vai se tornando mercadoria, inclusive, o espaço de tempo no qual não estamos trabalhando e o que devemos fazer dele. Observar as formas com que Virgínias conseguem aproveitar o seu tempo e tentar imitá-las confirma essa ideia. Para além da crítica que podemos fazer do tempo livre como mero apêndice do tempo de trabalho, não sendo, portanto, livre de fato, o que observamos cada vez mais é a regulação de como devemos “aproveitar” esse tempo, o que erradica qualquer resquício de chance de se haver uma verdadeira liberdade.
Se em outro momento, um corpo gordo foi sinônimo de beleza, porque só quem tinha acesso a alimentos em grande quantidade era a classe mais alta, hoje em dia, um corpo esbelto e malhado é o padrão a ser perseguido. Contudo, quem pode passar horas durante quase todos os dias da semana em uma academia ou fazer uma cirurgia plástica, senão a classe privilegiada, da qual a Virgínia pertence? Isso nos denota que os ideais de beleza continuam sendo padrões criados pelas elites para as elites.
Não é fruto do acaso que existam tantos influenciadores digitais do meio fitness e que o tema tenha ganhado tanta relevância nos últimos tempos. O fator busca pela saúde existe, é claro. Mas o fenômeno de uma geração que se interessa muito mais por exercícios físicos, treinos, dietas, suplementos alimentares e roupas de treino do que se via nas décadas anteriores não é o resultado de um despertar coletivo para a busca pela saúde e longevidade. É capitalismo. Não me basta treinar, eu tenho que abaixar o meu pace. Tenho que perder 20 quilos para entrar no biquíni. Tenho que frequentar a academia que tenha o melhor espelho para tirar a foto.
Sem querer dar fuga ao tema, quis citar estes exemplos para mostrar como tudo se trata de um mesmo fenômeno: vivemos na sociedade do desempenho. Ostentar o tempo que a permite passar 3 horas na academia, 2 horas cuidando da pele ou até mesmo a tarde de um dia útil brincando com os filhos é como a Virgínia consegue criar no seu espectador o desejo de consumi-la. Suas redes sociais são para o seu público o que a vitrine de carros da loja é para quem passa a pé na sua frente: um sonho de consumo, uma mercadoria. São também uma mercadoria que ajuda a vender outras mercadorias, que serão compradas como formas de se obter o sonho por parcelas. Afinal, posso não conseguir passar 3 horas na academia como ela consegue, mas posso consumir o suplemento que ela indicou.
O extrato dessa realidade é que parecemos cada vez mais distantes de sermos donos do nosso próprio tempo. Para além das horas que passamos efetivamente trabalhando, até mesmo o “tempo livre” é um terreno de disputas, das mais diversas. As Virgínias são apenas uma forma “nova” de ditar como devemos “aproveitar” o nosso “tempo livre”. “Nova” porque escancara, com frequência e alcance inéditos na história da humanidade, a forma com que as classes privilegiadas podem gozar de seu ócio. Entretanto, é uma nova roupagem da velha tática de vender aos trabalhadores a ilusão de que poderão usufruir das mesmas benesses que possuem os seus patrões.










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